Desafios da gestão de condomínios no Rio de Janeiro
- siteseicondf
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O charme dos prédios antigos de Copacabana e a diversidade abrangente do bairro impõem uma gestão condominial complexa. Entender esses desafios traz lições para aplicar em condomínios de qualquer lugar
Pense na cidade mais bonita do Brasil e o Rio de Janeiro será uma unanimidade. Tida como uma das mais belas do mundo, a capital carioca fez a alma de Tom Jobim cantar ‘seu mar, suas praias sem fim, o ‘Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara’.
No ano passado, 1,5 milhão de turistas internacionais desembarcaram no Rio. Só em Copacabana, quase 1 milhão de pessoas assistiram ao show da Madonna e, segundo a prefeitura do município, 2,5 milhões de pessoas assistiram à queima de fogos no Réveillon. E para o show de Lady Gaga, dia 3 de maio, são aguardadas 1,6 milhão. Mas o recorde de público em evento na praia de Copacaba foi a visita do Papa Francisco em 2013: segundo o Vaticano, foram 3,7 milhões de fiéis que participaram da Missa de Envio da Jornada Mundial da Juventude. É muita gente!
Cada região do Rio de Janeiro tem características muito próprias - o que se reflete diretamente na gestão condominial e no estilo de liderança dos síndicos.
Resumidamente, na Zona Sul, por exemplo, os moradores são, em sua maioria, mais maduros, de classe social elevada, muito exigentes e acostumados com os desafios do convívio coletivo.
Na Barra (Zona Oeste), a gestão é mais focada em segurança, infraestrutura e amplas áreas de lazer, presentes nos condomínios-clube, enquanto na Zona Norte, o conceito de condomínio é relativamente novo e ainda está amadurecendo na convivência, por isso, os atritos são mais comuns justamente pela inexperiência no modelo coletivo.
Copacabana é um caso à parte. A agitação do bairro vai além das datas comemorativas. A ‘princesinha do mar’, seu apelido poético, é uma verdadeira babilônia onde se ouve todos os idiomas e condomínios com apartamentos de 400 metros quadrados convivem com minúsculas kitnets de 20 metros quadrados.
Copacabana não dorme com seu comércio de A a Z, seus restaurantes e a boemia mais famosa do Rio. Ao mesmo tempo, é considerado o bairro com maior número de idosos no país.
“São pessoas que escolheram envelhecer ali, com uma relação afetiva profunda com o bairro e que diariamente fazem seus exercícios na praia e no calçadão. Elas conhecem profundamente o funcionamento do prédio, acompanham de perto as decisões da gestão e convivem com um novo fluxo de moradores temporários, vindos do turismo e das locações por temporada”, observa Eduardo Monteiro, síndico profissional.
No estado do Rio de Janeiro, o Dia do Síndico é comemorado em 23 de abril e os gestores fluminenses e cariocas, em especial de Copacabana, merecem aplausos. Não que outras regiões no país exijam menos dos síndicos, e que o digam paulistanos.
Mas o cenário diverso e efervescente torna a gestão condominial nesse bairro um grande desafio, sem falar que os prédios são antigos, em sua maioria, o que por si só já exige muita atenção.
Mesmo com tantas peculiaridades, muitas das questões de Copacabana são universais. Afinal, qual condomínio nunca enfrentou questões ligadas a estruturas de construções antigas, manutenção ou tensão no convívio com o entorno?
A concentração de fachadas ativas nos condomínios de Copacabana
As atividades comerciais muito variadas e a grande circulação de pessoas dia e noite despertam fatores benéficos para o bairro, como o movimento das calçadas, os serviços oferecidos para moradores e transeuntes e a revitalização das ruas.
Muitos bares, restaurantes e estabelecimentos comerciais funcionam no térreo dos próprios prédios ou em imóveis vizinhos. Do ponto de vista condominial, essa dinâmica intensa tem reflexos diretos na vida condominial, e nem sempre de forma positiva.
“Já tivemos, mais de uma vez, que acionar judicialmente estabelecimentos do ramo alimentício por conta de problemas como barulho, má exaustão e impactos na rotina e no bem-estar dos moradores. Embora, na maioria das vezes, consigamos resolver por meio do diálogo, mostrando que queremos um bairro valorizado e que o sucesso do comércio pode (e deve) coexistir com a tranquilidade dos moradores, infelizmente, nem todos os comerciantes estão abertos à conversa”, conta Karine Prisco, síndica profissional.
Muitos dos estabelecimentos na fachada ativa dos edifícios não pagam cota condominial por omissão da Convenção ou por determinação de que são isentos - mesmo fazendo uso da infraestrutura como portões, lixeiras, ligação de energia, água, garagem e a própria fachada. Por isso, duas boas práticas são indispensáveis:
Atualizar a Convenção para estipular regras de permanência e definir responsabilidades é a primeira coisa a ser feita para evitar problemas futuros.
Fazer uma avaliação prévia do tipo de comércio que será bem-vindo, já que mercados e restaurantes, por exemplo, podem atrair ratos, insetos e lixo excessivo.
“A existência de bares e restaurantes em lojas térreas dos prédios potencializa os conflitos de vizinhança e a necessidade de lidar com perturbações sonoras. O síndico precisa estar preparado para atuar com firmeza e sensibilidade nesses casos, conciliando direitos de vizinhança, segurança e o próprio regramento interno do condomínio”, acrescenta o advogado André Junqueira.
Fique atento desde o início da instalação de uma fachada ativa ou comércio no prédio:
acompanhe projetos e fiscalize a execução;
exija isolamento acústico adequado e manutenção dos sistemas de exaustão;
mantenha diálogo constante com os comerciantes;
e, quando não for possível a via amigável, recorra às vias legais para proteger os interesses do condomínio.
A necessidade de fazer manutenção nos prédios antigos
O bairro é tomado por prédios de diferentes perfis colados uns nos outros. Esse contraste exige da gestão uma habilidade especial para lidar com realidades muito diferentes dentro de um mesmo CEP.
Para o presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI), Rafael Thomé, a manutenção e modernização dos prédios antigos é o maior ponto de atenção na gestão.
“São estruturas com mais de 60 anos, necessidades técnicas específicas, custos elevados e moradores com realidades financeiras variadas. Conciliar obras essenciais com orçamento apertado é um desafio diário para síndicos e administradoras, que têm feito um trabalho excepcional equilibrando segurança, conforto e economia”.
A maioria das edificações é antiga, com estruturas que demandam constante manutenção e atualização, por exemplo, marquises mal conservadas que, além de desvalorizar a fachada, trazem risco de queda.
“Enfrentamos problemas sérios em razão da ausência de manutenção preventiva, especialmente em prédios antigos e de alto valor localizados em avenidas muito conhecidas da Zona Sul, como a Avenida Atlântica e a Praia do Flamengo”, relata Eduardo Monteiro.
Um dos prédios de sua gestão na Av. Atlântica, muito conhecido, vive hoje um colapso nas tubulações de esgoto, originalmente feitas em ferro, já com décadas de uso.
“Esse desgaste vem provocando infiltrações sérias, danos em cozinhas e banheiros de apartamentos finamente decorados e expõe moradores com alto padrão de vida, inclusive alguns nomes famosos, a conviverem com obras emergenciais dentro de casa”, conta Monteiro.
O custo estimado para a intervenção gira em torno de R$ 1,8 milhão — “sem contar o transtorno operacional, o desgaste com os moradores e o tempo de execução”, acrescenta.
Por outro lado, Monteiro tem um exemplo bem-sucedido de um prédio no Flamengo, também de frente para um dos cartões-postais da cidade: o Pão de Açúcar.
"Lá, existe uma solução arquitetônica incrível, projetada nos anos 60, com elevadores para carros — os veículos literalmente sobem junto com os moradores e dividem o espaço com os apartamentos nos andares superiores. São elevadores suíços, originais, que se mantêm em pleno funcionamento até hoje. Isso só foi possível porque o condomínio manteve ao longo dos anos uma rotina de manutenção preventiva rigorosa. É um caso exemplar de como o cuidado contínuo preserva o valor, o conforto e a identidade do prédio.”
De olho nos problemas mais comuns
Os entrevistados listaram os principais problemas de manutenção em prédios antigos no Rio de Janeiro, confira!
1. Infiltrações
Provocadas por tubulações antigas, que acabam se rompendo. Isso obriga a realização de obras emergenciais — sempre caras, demoradas e com grande impacto para os moradores.
Por serem colados um ao outro, há, ainda, problemas de infiltração de um prédio para o outro e a "briga" por responsabilidade pela manutenção.
2. Ar-condicionado
A maioria desses prédios foi construída numa época em que o uso do ar-condicionado não era comum. Com o tempo, os aparelhos foram sendo instalados de forma desorganizada nas fachadas, criando poluição visual, descaracterizando o prédio e trazendo o indesejado pinga pinga.
O Rio de Janeiro tem uma lei municipal nº 2.749/1999 que obriga os prédios a coletarem a água que escorre dos aparelhos de ar-condicionado e não pode pingar na calçada.
“Para evitar multas, muitos condomínios fizeram adaptações improvisadas com tubos expostos, o que resolveu o problema da multa, mas criou outro: fachadas com aparência degradada e obras mal executadas”, aponta Monteiro.
3. Instalações elétricas
Muitos condomínios têm quadros de energia obsoletos, que precisam ser modernizados para suportar a demanda da carga elétrica atual.
Os sistemas antigos, quando não são atualizados, oferecem risco real de curto-circuito ou incêndio. Em alguns casos, é necessário até reenergizar os quadros, um processo técnico que exige laudo, projeto e aprovação junto à concessionária.
Ou seja, os problemas mais graves não são apenas visuais — envolvem risco, impacto financeiro e legal. E tudo isso costuma ser agravado pela ausência de um plano de manutenção preventiva. Quando a gestão atua apenas de forma reativa, os problemas se acumulam e se tornam mais difíceis (e caros) de resolver.
Prevenção de acidentes naturais
A geografia privilegiada do Rio de Janeiro, marcada por morros, encostas e mata atlântica, traz beleza, mas também responsabilidades extras. Muitos prédios em Copacabana e bairros vizinhos, como a Lagoa, estão localizados em áreas com relevo acidentado e, por isso, precisam de atenção redobrada.
Condomínios construídos em encostas exigem acompanhamento constante, tanto por parte de órgãos públicos, como o Geo-Rio, quanto por meio de laudos técnicos realizados por engenheiros especializados.
A prevenção é a chave: avaliações frequentes da estabilidade do terreno, contenção adequada e manutenção das áreas comuns ajudam a evitar problemas mais sérios.
Nos dias de chuva, o risco se intensifica. Há trechos em Copacabana que sofrem com alagamentos e também com riscos de deslizamento, mesmo que até o momento os síndicos entrevistados não tenham enfrentado episódios graves nos condomínios que administram.
Ainda assim, é imprescindível manter o controle técnico rigoroso, com profissionais de confiança e ações preventivas, para garantir a segurança dos moradores e a preservação do patrimônio.
Conhecer bem o relevo onde o prédio está localizado, ter bons contatos profissionais e agir com antecedência são os diferenciais que evitam que problemas naturais virem tragédias anunciadas.
Seguem abaixo alguns pontos a serem observados:
Plano de emergência: É importante ter um plano de emergência para casos de deslizamento ou outras situações de risco. O plano deve definir os procedimentos a serem seguidos e os responsáveis por cada ação.
Manutenção preventiva: Realize a manutenção preventiva do prédio e das áreas externas, buscando identificar e solucionar problemas antes que se agravem.
Drenagem: Um sistema de drenagem eficiente é essencial para escoar a água da chuva e evitar o acúmulo de água no terreno. É preciso limpar e desobstruir os ralos e calhas regularmente.
Muros de contenção: Em áreas de encosta ou barranco, é fundamental construir e manter muros de contenção para evitar deslizamentos. É preciso realizar inspeções periódicas nos muros e realizar reparos quando necessário.
Monitoramento do terreno: É importante monitorar constantemente o terreno ao redor do prédio, buscando identificar sinais de instabilidade, como rachaduras, deslocamentos ou erosão.
Vegetação: A vegetação pode ajudar a estabilizar o terreno e evitar a erosão. É preciso manter a vegetação em bom estado e evitar o desmatamento.
Impermeabilização: A impermeabilização é fundamental para proteger o prédio da umidade e evitar infiltrações. É preciso utilizar materiais de qualidade e realizar a manutenção periódica da impermeabilização.
Questões ligadas à segurança e presença de milícias
Junto com a beleza, a história e a cultura carioca, a cidade maravilhosa carrega consigo problemas graves que desafiam governos e segurança pública. Isso pode impactar diretamente os condomínios. Veja o relato da síndica profissional Karine Prisco:
“Muitos condomínios se sentem forçados a contratar os chamados 'seguranças de rua', cujas credenciais nem sempre estão claras. Em alguns casos, tratam-se de ex-policiais ou pessoas com bom trânsito entre forças de segurança, o que transmite alguma sensação de proteção. Mas a verdade é que, na maioria das vezes, não há como saber com precisão a procedência desses profissionais, e isso, por si só, já representa um risco.
Vivenciamos uma situação emblemática em um condomínio que optou por não renovar o pagamento desses serviços. Poucos dias após a decisão, a frente do prédio foi ocupada por uma quantidade incomum de pessoas em situação de rua. Elas literalmente acamparam na porta do prédio, fizeram até fogueira no local para cozinhar, dificultando a entrada e a saída dos moradores. O cenário gerou insegurança e incômodo, a ponto de o condomínio recontratar os serviços. ‘Coincidentemente’, essas pessoas desapareceram da área”.
Embora o episódio não tenha evoluído para algo mais grave, mostra o retrato de uma realidade delicada.
O síndico precisa estar atento, buscar respaldo jurídico e avaliar medidas legais e formais de segurança, como vigilância eletrônica e empresas de segurança regularizadas, ainda que isso represente um custo maior. A prevenção pode evitar consequências muito mais sérias.
Como prevenir crimes que atinjam o condomínio
Os desafios de segurança estão mais relacionados à vulnerabilidade das ruas e ao entorno, especialmente diante do aumento da locação de curta temporada.
A alta rotatividade de ocupantes atrai olhares, aumenta o fluxo de desconhecidos e, infelizmente, pode chamar a atenção de criminosos que atuam na região. Turistas circulando com bagagem ou utilizando transporte por aplicativos são alvos fáceis de mirantes ou oportunistas.
Dessa forma, o síndico precisa orientar moradores, funcionários e prestadores de serviços quanto a práticas de prevenção.
Isso inclui controlar melhor o acesso, solicitar cadastros prévios dos ocupantes temporários, manter bom relacionamento com a delegacia local, investir em câmeras de vigilância, iluminação e comunicação em diversos idiomas.
Mesmo não havendo uma situação crítica com comunidades no entorno imediato, a atenção à segurança deve ser constante.
“Como moradora de Copacabana desde pequena, tenho muitos amigos moradores de comunidades. Por vivência própria, este é um tema desafiador e que exige sensibilidade e respeito, portanto, é fundamental buscar uma convivência pacífica e construtiva, evitando atitudes que possam gerar conflitos”, reforça Karine Prisco.
Importância de determinar regras para locação de curta temporada
Sendo o Rio de Janeiro a maior cidade turística do país, Airbnb, apps e outras formas de locação temporária são uma presença forte nos condomínios.
A alta rotatividade de ocupantes em locações de curta temporada costuma elevar os riscos — tanto para a segurança quanto para o sossego e conservação das áreas comuns. Muitos condôminos reivindicam a implantação desse modelo.
“Há condomínios cuja convenção define expressamente a destinação residencial das unidades, e, nesses casos, é possível reforçar essa previsão para coibir o uso das unidades como hospedagem ou por meio de plataformas como o Airbnb. A ideia não é impedir a locação em si, mas preservar a finalidade residencial e a segurança de quem efetivamente reside no imóvel”, orienta André Junqueira.
Em muitos casos, a locação por temporada já é uma prática consolidada, com aceitação e adesão da maioria dos condôminos e a proibição seria inviável ou mesmo ilegal.
Conforme Junqueira, a alternativa, então, é a regulamentação: estabelecer regras claras quanto ao cadastro de hóspedes, comunicação prévia ao síndico, acesso controlado, e responsabilização do proprietário por eventuais danos ou infrações.
“Nós tivemos, inclusive, uma das primeiras decisões judiciais nesse sentido em Copacabana, há mais de dez anos, no condomínio na Avenida Prado Júnior. Trata-se de um prédio 100% residencial que, mesmo localizado em uma rua conhecida pela prática de prostituição, conseguiu preservar sua identidade e tranquilidade ao proibir legalmente a locação por temporada, com base em sua convenção. A medida tem garantido mais paz e segurança aos seus moradores até hoje”.
Os moradores mais antigos e o senso de urbanidade
Copacabana é um bairro com características muito específicas. A primeira delas é o perfil etário de seus moradores.Trata-se de uma região com população mais idosa, o que exige do síndico uma habilidade especial de comunicação com pessoas mais experientes, maduras e, muitas vezes, apegadas a práticas antigas de convivência condominial.
“Isso demanda paciência, escuta ativa, embasamento jurídico e, acima de tudo, a capacidade de funcionar como um elo entre gerações, equilibrando tradição e modernidade na administração, respeitando as características e limitações do prédio, mas sempre buscando a melhoria contínua”, afirma Junqueira.
Com tantas diferenças e peculiaridades, dentro e fora dos limites da gestão, o condomínio não pode ser visto como uma ilha isolada. Nesse sentido, desenvolver o senso de urbanidade é fundamental. Isso significa entender que a harmonia dentro do condomínio depende da boa convivência com todo o entorno, incluindo comunidades próximas.
De acordo com Rafael Thomé, administradoras e síndicos têm sido essenciais nesse papel, promovendo ações de integração social, diálogo constante e respeito às diferenças. Esse olhar sensível contribui diretamente para um ambiente mais seguro, pacífico e agradável para todos os moradores.
"É imprescindível que os síndicos enxerguem a si mesmos como agentes de transformação na sociedade e participem das associações de moradores e debates sobre o bairro”, afirma o presidente da ABADI.
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